O fado tem sofrido recemente fortes transformações que levam ao extremo o que se entende por fado, ressignificando mesmo a sua definição e abordagem estética. Esta transformação dever-se-á, talvez, a uma forte abertura dos artistas portugueses à world music; a um avanço no conhecimento das origens do fado e das suas influências e potencialidades; e ainda como consequência de uma fase de estagnação e estigmatização, que o fado sofreu entre os finais do século XX e inícios do século XXI. Hoje, o fado renova-se tematicamente e poeticamente, tratando de assuntos tão actuais como questões de género; de ambientalismo; de gentrificação; de agravamento das guerras; de crise de habitação, abrindo-se a novas gerações que o escutam e o cantam, aprendendo com ele. Por outro lado, o fado também se renova esteticamente, ao expandir as suas sonoridades a outros territórios, como o flamenco, o pop, a morna, entre outros; e ainda ao recuperar a sua origem dançada e espúria.
Na verdade, estas novas transformações resultam de um estado de liberdade política e moral As suas primeiras metamorfoses ocorridas entre os séculos XIX e século XX devem-se, pelo contrário, a um estado de censura e moralismo. No entanto, não deixamos de experienciar uma forte censura, que tensiona e cinde o tecido artístico no seio do fado. Por isso, pretendemos com esta comunicação abordar as transformações pelas quais o fado tem passado: perda da dimensão erótico-pagã; anulação da dança e do corpo; maiores preocupações poéticas; resgate da dança; abertura a temas fracturantes na sociedade. Para tanto, falaremos de três casos de fado contemporâneo: Jonas; Fado Bicha; Ana Moura. Com estes exemplos, debateremos os conflitos dentro do fado, para tentarmos concluir que, em liberdade, a tensão é produtiva e a diversidade uma necessidade. O fado contra o fado faz nascer ainda mais fado.
Bibliografia
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