Sibe2025: Música e conflito social. Paradigmas, abordagens e desafios da etnomusicologia contemporânea
6-9 nov. 2025 Barcelona (España)
Composição, conflito e (re)existência: motivações e enfrentamentos de compositoras na capital do Brasil
Ana Leitão  1, *@  
1 : Leitão
* : Autor correspondiente

O que leva mulheres a compor? A pergunta, aparentemente simples, atravessa práticas marcadas por disputas de sentido, dor e prazer, visibilidade e silenciamento. Esta comunicação apresenta parte de uma pesquisa de doutorado em andamento na área da Comunicação, que investiga o ato de compor como prática de (re)existência em contextos de conflito. O estudo se desenvolve a partir de uma abordagem etnográfica e cartográfica com compositoras e cantoras de Brasília, capital do Brasil. Foram realizadas 17 entrevistas em profundidade (McCracken, 1988) com artistas mulheres (cis e trans) e uma pessoa não binária atuantes na cena musical autoral da cidade.

As respostas revelam múltiplas camadas que envolvem conflito e criação: a composição surge como desabafo, denúncia, exposição radical do íntimo – mas também como coragem, prazer, espiritualidade, subversão, força coletiva e ferramenta de cura e empoderamento. A música aparece como linguagem que atravessa o corpo, ativa o sagrado, encarna o político e abre caminhos para a reinvenção de si e do mundo. Nesse sentido, a composição emerge como prática que reconfigura sentidos, afirma identidades e tensiona estruturas hegemônicas de gênero, raça, classe e território.

Dialogando com os feminismos decoloniais (Holanda, 2020) e com a noção de (re)existência como ação estética, política e epistemológica (Fernandes et al., 2022; Maldonado-Torres, 2017; Mignolo, 2015; Walsh, 2013), a pesquisa compreende o conflito como elemento constitutivo da vida social (Giner, 1995), capaz de demarcar territórios simbólicos e fortalecer coesões comunitárias. Como “drama social” (Turner, 1982), o conflito também pode operar como força de transformação.

Compartilhar essas vozes e experiências é afirmar a composição como tática (DeCerteau, 1998) de (re)existência – um gesto vital que se inscreve no corpo e no som, criando frestas (Simas e Rufino, 2019), combatendo opressões, e abrindo espaço para cantar e contar histórias, existir e imaginar outros porvires.

Referências

DE CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Editora Vozes, 1998.

FERNANDES, Cíntia Sanmartin; HERSCHMANN, Micael; MELO ROCHA, Rose de; PEREIRA, Simone Luci. A(r)tivismos Urbanos: [sobre]vivendo em tempos de urgências. Porto Alegre: Sulina, 2022.

GINER, Salvador. Sociología. Barcelona: Península, 1995.

HOLLANDA, Heloisa Buarque. Pensamento feminista hoje: Perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.

MALDONADO-TORRES, Nelson. El arte como territorio de re-existencia: uma aproximación decolonial. Iberoamérica Social: revista-red de estúdios sociales, n. 8, pp. 26 - 28, 2017.

MCCRACKEN, Grant David. The long interview: the four-step method of inquiry. Qualitative Research Methods Series; v. 13. Sage publications, 1988.

MIGNOLO, Walter. Trayectorias de re-existencia: ensayos en torno a la colonialidad/ decolonialidad del saber, el sentir y el crer. (org. por Pedro Pablo Gómez). Bogotá: Universidad Distrital Francisco José de Caldas, 2015.

SIMAS, Luiz; RUFINO, Luiz Antônio. Fogo no mato: A ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2019.

TURNER, Victor. From ritual to theatre: The human seriousness of play. New York: PAJ Publications, 1982.

WALSH, Catherine (ed.). Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo 1. Quito: Ed. Abya Yala, 2013.


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