O pianista brasileiro Hercules Gomes tem se dedicado à produção de arranjos e gravações do repertório de choro para piano. Conforme analisado em estudo anterior (Marconato, 2021), ele maneja recursos musicais e discursivos para se legitimar como herdeiro de uma tradição pianística cultivada desde a segunda metade do século XIX. No campo artístico do choro, a relação com o passado é crucial para a performance, e uma de suas estratégias narrativas é a defesa de uma “linha de corte” entre pianistas efetivamente dedicados ao gênero e aqueles que o abordam de forma eventual. Essa posição se reflete em sua discografia, especialmente nos álbuns “No tempo da Chiquinha” (2018), “Tia Amélia para sempre” (2019) e “Sarau Tupynambá” (2022), dedicados à obra dos pianistas Francisca Gonzaga (1847-1935), Amélia Brandão Nery (1897-1983) e Marcelo Tupinambá (1889-1953), respectivamente. Diante disso, esta comunicação analisa as relações entre o discurso de Hercules Gomes sobre a necessidade dessa distinção – explicitado em entrevista (Gomes, 2020) – e sua produção fonográfica em 2018 e 2019. Argumenta-se que sua produção discográfica funciona como um recurso de legitimação profissional, contribuindo para a consolidação de sua identidade como pianista de choro, articulador desse repertório e continuador de uma tradição pianística do gênero. Além disso, analisa-se como sua escolha de repertório e abordagem estética contribuem para reforçar essa posição. A pesquisa se fundamenta nos conceitos de campo e capital de Bourdieu (2007), bem como em estudos sobre música popular brasileira, como Almeida (1999) e Rezende (2014), para compreender os mecanismos que sustentam sua atuação no cenário do choro.