Este trabalho explora a organização comunitária do lazer como forma de resistência na éter [nome fictício], uma rave queer do-it-yourself (DIY) realizada em Lisboa. A partir de uma abordagem (auto)etnográfica, examina-se a paisagem de cuidados da festa enquanto dispositivo de reprodução social do coletivo queer da cidade. As dinâmicas de autogestão e redistribuição do cuidado na rave queer (inseridas no quadro da critical rave) são compreendidas a partir da interligação das práticas expressivas do techno-musicking — mediadas por categorias musicais incluídas numa definição abrangente de música eletrónica de dança (EDM) — com um horizonte de autonomização do prazer que envolve também as práticas eróticas e farmacológicas — informadas por noções de positividade sexual (e corporal) e de redução de danos. Por sua vez, a éter é estudada como espaço de produção de alianças políticas em oposição ao contexto de transformação urbana de Lisboa — que comporta processos de gentrificação, turistificação, higienização e despossessão material e cultural das comunidades locais. A rave queer configura-se, assim, como um laboratório de assemblages (tecno-bio)políticas onde as estratégias de opacidade, desidentificação e hedonismo são interpretadas enquanto orientações heterotópicas que podem conduzir para a construção de um espaço de resistência.

A proposta espaciotemporal da éter apresenta-se por meio de discursos utópicos que procuram materializar, no aqui e agora, os anseios de libertação des sues participantes — apesar da evidente transitoriedade e instabilidade da experiência coletiva da rave. Contudo, esta (talvez excessiva) euforia política pode ser lida como uma ferramenta de sobrevivência e reprodução do corpo social da festa, constituído na sua maioria por pessoas LGBTQIA+ que se encontram numa situação de precariedade económica e social — albergando potencialidades para o desenvolvimento de estruturas de solidariedade e ação política mais duradouras e efetivas.

Referências bibliográficas