O Complexo Cultural do Boi no Brasil se faz presente por quase toda a sua extensão territorial, abrigando grande variedade e diversidade nos enredos musicais e cênicos de cada região, destacando-se exemplos como o Bumba-meu-Boi (MA), o Cavalo Marinho (PE/PB), o Boi-Bumbá (AM), e o Boi de Mamão (SC), dentre muitos outros (Gonzales, 2024). Estas diferentes tradições integrantes do Complexo do Boi são marcadas por influências de povos africanos, indígenas e europeus que constituíram boa parte do país, a custo de uma série de violências, apagamentos históricos e ideologias epistemicidas (Sousa Santos; Meneses, 2009). No caso do Boi de Mamão, realizado no Estado de Santa Catarina, Região Sul do Brasil, há um discurso institucionalizado, e construído por meio de ações do mercado do turismo crescente no litoral catarinense, de que a brincadeira teria chegado ao Brasil diretamente do Arquipélago dos Açores, Portugal, e que teria se mantido até a contemporaneidade como uma forma de os descendentes de açorianos da região celebrar suas raízes (Sayão, 2004). Contudo, ao analisar com maior proximidade esta tradição, percebe-se um número expressivo de elementos que apontam para um histórico muito mais complexo e múltiplo em sua formação (Gonçalves, 2000). Este discurso de uma suposta origem branca do Boi de Mamão não apenas dificultou sua integração à cultura brasileira, como também promoveu uma invisibilização sistemática de suas influências afrodiaspóricas e indígenas, sobretudo musicais e cênicas. Esta comunicação pretende discutir como as narrativas em disputa acerca da demarcação de territorialidades simbólicas de uma identidade cultural regional contribuem para que este conflito identitário presente na região opere como um agente de transformação social, através da conscientização acerca da história social da região, bem como de sua diversidade étnico-cultural.