Em 25 de maio de 1914 foi protocolado na Câmara Municipal de São Paulo, um requerimento em que se solicitava à municipalidade “favores para a realização de concertos Symphonicos no Theatro Municipal”. O requerente, maestro Herman Wanschaffe, “brasileiro nato, natural do Estado de São Paulo, ex-regente de orchestra e director artistico de varias importantes companhias de opera lyrica” apostava em seu currículo para sensibilizar o poder público de algo que julgava de “incontestável utilidade”, a formação do gosto artístico da população. Para tanto, pedia auxílio financeiro para compor uma orquestra permanente de 60 músicos, que atuaria realizando ensaios diários e dois concertos mensais. O documento aqui comentado aparece como um das fontes mais antigas, possivelmente, uma das primeiras tentativas oficiais de se estabelecer um vínculo entre município e iniciativas musicais em São Paulo a partir da Primeira República. Contudo, é possível dizer que outras ações organizativas entre trabalhadores da música já eram perfiladas em meio ao mundo do trabalho paulista. Também figurava em São Paulo, já em 1913, ao menos uma associação cuja atuação caracterizava-se pelo mutualismo entre seus associados. O Centro Musical São Paulo, fundado em 1913, atuava na capital paulista como entidade arregimentadora de músicos para eventos onde a música de concerto era solicitada. Além disso, procurava, endogenamente, estabelecer entre seus associados, vínculos de identidade, solidariedade e apoio mútuo tendo organizado inclusive uma greve contra a Companhia Cinematográphica Brasileira no mesmo ano.
O presente trabalho propõe, portanto, o inquérito de possíveis conflitos históricos envolvendo músicos de orquestra. Por um lado, procurando entender as disputas internas à própria classe musical, por outro questionando as estratégias políticas empreendidas com agentes externos. Nesse itinerário percebeu-se a possibilidade de agência de músicos não só pelo fazer musical, mas pelas ações e conflitos envolvendo condições e organização de trabalho. Se em alguma medida, ao longo dos anos foi possível notar entre as iniciativas organizativas uma certa concorrência, conflitos e disputas pela hegemonia na representação de classe, também constatou-se uma certa correlação de forças quando se tratava de tensionar e negociar com a autoridade pública. A falta de recursos materiais, a disputa entre entidades musicais pela hegemonia na representação de classes e a tensão frente ao poder público eram alguns dos conflitos inerentes às condições de trabalho musical.Atualmente investigando o processo de institucionalização da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo ocorrida em 1949, questiona-se como a criação de uma orquestra de músicos estatutários propunha uma ruptura na continuidade de problemas comuns à vida do músico de orquestra, sobretudo o da temporalidade dos trabalhos, ao mesmo tempo que criava, pela primeira vez na história paulista, condições estáveis para o desenvolvimento da profissão.